24/11/2009

Análise do filme Narradores de Javé.

Tradição Oral X Língua Escrita: Uma questão de exclusão lingüística e social.
Inicialmente faremos um breve contexto daquilo que foi possível apreender do filme “Narradores de Javé” – o filme conta a história de um povo, os moradores do Vale do Javé, no sertão baiano, que tentam reconstruir sua história passada de geração a geração através da oralidade, buscando, dessa forma garantir sua existência no futuro, que se encontra ameaçada pela construção de uma represa que fará o povoado desaparecer em suas águas.
Diante de tal problemática (alguns de seus moradores – os mais instruídos oralmente, mas que exercem “poder” junto aos demais – resolvem verificar o que é possível fazer para reverter a situação imposta. Ao pedir explicações junto ao Estado , vêem que a única saída é elaborar um monumento ou patrimônio histórico que justifique seu tombamento.
Essa informação deixa o povo de Javé em polvorosa. Como tornar Javé um monumento ou patrimônio histórico se a cultura dos moradores é apenas a oral? Como elaborar um documento (escrito) que comprove os feitos do herói – Indalécio, no desbravamento do sertão baiano, a fim de fundar um povoado para seus seguidores? Diante do posicionamento do Estado, o povo de Javé resolve encarregar o antigo responsável pela Agência de Correios do povoado – único cidadão alfabetizado do lugar- para ouvir as histórias dos moradores e a partir delas, escrever a história do povo do Vale do Javé.
O povo passa então a registrar sua identidade histórica e cultural, cada um de acordo com a sua visão cultural e religiosa, porém sentido original, o fio condutor da história é preservado. Um fator bastante intrigante – que é apresentado durante os relatos - parece ser o das relações de poder (todos querem ser descendentes diretos do colonizador- tendo em vista os feitos heróicos de Indalécio).
Os moradores de Javé tentam escrever a sua história, mas a ideologia dominante que devem obedecer (neste caso a supremacia da cultura escrita) não é compreendida e aceita. O próprio escriba desiste de realizar tal documento, ao perceber a riqueza cultural/oral daqueles moradores. Verifica a complexidade que é “fazer calar uma linguagem viva e em movimento, para colocá-la em um documento estático, parado, e com apenas uma única versão. Dessa forma as águas inundam Javé...

Falar dos “narradores de Javé” nos remete a pensar o próprio termo – narrativa, ou seja, Ao iniciar é preciso pensar no próprio termo “narradores” e estabelecermos Nesse momento é de fundamental importância refletirmos sobre o carteiro-escriba, pois ele é alfabetizado e letrado. Mas o que é ser alfabetizado e letrado? Recorremos a Magda Soares (2000) segundo a autora alfabetizado é aquele que aprendeu a ler e a escrever já ser letrado é fazer uso da escrita, isto é se envolver nas práticas sociais da leitura e da escrita. Nesse caso, as ações do carteiro mostram o uso da escrita como mecanismo para resolver necessidades práticas de seu cotidiano. Podemos ilustrar com sua própria trajetória junto a Agência dos Correios – que, para manter seu emprego - usa de seus conhecimentos (escreve cartas para várias localidades contando as histórias pessoais dos moradores de Javé)- Agora – diante dessa necessidade a população percebe a importância do escriba, pois somente ele é capaz de realizar a tarefa de registrar a história de Javé.
Cabe aqui uma reflexão: os moradores de Javé eram analfabetos, mas letrados, isto é, conseguiam conviver e viver em Javé, sem dominar a escrita, isto significa que não existe grau zero de letramento, pois numa comunidade é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas. Há alguns exemplos que ilustram essas práticas, eis algumas: todas as decisões importantes da comunidade contavam com um grande número de moradores e o “chamado” – ou uma das práticas de letramento – pode ser representada pelas badaladas do sino da pequena igreja que tinha o papel de convocar a todos para se reunir; o comércio acontecia de forma satisfatória, (o vendedor vendia até o sorriso dos moradores de Javé) os moradores sabiam da importância das anotações e encarregavam o vendedor de registrá-las, isto é, sabiam da importância da registro, mas passavam esta tarefa a outro. Diante disso verifica-se que o mesmo Estado que exigia “o documento oficial ”não possibilitava esse direito aos moradores. Pode ser algo proposital, mas a ausência do próprio sacerdote neste contexto contribui para um processo de exclusão. Nem mesmo a religiosidade daquele povo parece ter sido respeitada. Há uma igreja, mas qual a função dela?
O filme mostra a posição de poder da cultura letrada sobre a cultura popular oral tendo em vista que o Estado apenas reconhece como válida a história de Javé se houvesse o documento – o livro de Javé. Há momentos que evidenciam essa supremacia todos falam ao mesmo; o escriba dorme durante os relatos e ainda há brigas entre os narradores. O que vemos é uma dualidade, pois a linguagem oral não é vista como algo que complementa que acrescenta, mas algo que deve ser substituído, negado. As diferenças culturais parecem não caber nesse cenário.
O filme sinaliza para uma tomada de consciência sobre as diversas formas de expressão da cultura brasileira, cabe a nós professores, aproveitarmos as leituras e reflexões do GESTAR II para aprofundarmos nosso conhecimento no sentido de eliminar a visão preconceituosa que considera a cultura letrada superior à oral. Uma cultura marcada pela exclusão lingüística e social. Aprender e respeitar as diferentes culturas nos leva a busca de uma identidade verdadeiramente brasileira.

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